domingo, 7 de setembro de 2008

Vila Itororó

São Paulo, 04 de Setembro de 2008.


AO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO
FÓRUM DOS LEITORES
A/C Sr. Diego Zanchetta


A reportagem “Resgate da Vila Itororó fica no papel”, publicada em 03/09/2008 no caderno 'Cidades', do jornal "O Estado de São Paulo", apresenta uma visão absolutamente estreita à respeito do que poderia ser o destino da Vila Itororó, no bairro da Bela Vista, em São Paulo.

Sem dúvida, a Vila Itororó contém em si mesma uma infinidade de peculiaridades, dentre elas, o fato deste conjunto arquitetônico ainda representar um momento único no desenho urbano de São Paulo – poucas vilas residenciais tiram proveito de uma localização abaixo do nível da rua, quase nenhuma delas é projetada com piscina coletiva e diferentes espaços de convivência.

Historicamente, o conjunto de casas sempre teve a moradia como finalidade, e até o início da década de 90, todas as famílias viviam sob contratos de locação regulares, cujas taxas eram recolhidas mensalmente e destinadas à Instituição Beneficente Augusto de Oliveira Camargo, situada no interior do Estado de São Paulo. A partir de então, a proprietária da área – na reportagem, representada pelo Sr. Renato Sargo – deixa de cobrar estes aluguéis – fato que perdura há mais de quinze anos. Portanto, é evidente concluir que, desde então, ninguém governa naquela área, uma vez que nem proprietários e nem órgãos públicos de patrimônio histórico, foram capazes de cumprir com suas obrigações, respectivamente, de manutenção, ou de aplicação de multas pela não preservação de um bem tombado. Sendo assim, o citado "abandono da construção" – que fique claro – tem início nesta ingerência de instituições responsáveis.

Outro agravante não mencionado na reportagem é a questão crucial que define o destino da Vila Itororó: trata-se de uma Secretaria Municipal de Cultura se propondo a coordenar um projeto para uma área que representa hoje, um problema habitacional da cidade. Dessa maneira, fica óbvio dizer que a partir deste desvio no eixo de discussão, a opção por morar no centro – e na Vila Itororó –, feita pelas famílias (algumas há mais de 50 anos no local), é um "entrave ao projeto" de um "pólo de entretenimento". Na Vila Itororó, algumas famílias vivem bem, muitas vivem mal. Mas não são apenas esses os critérios para escolher um local para se viver. Como dito pelo Sr. Sargo na reportagem, o “local está às margens da Avenida 23 de Maio e é muito bem localizado" – assim, não é necessário explicar o motivo da "resistência dos moradores à mudança da região central".

A reportagem apresentou também, outras graves falhas: uma é dizer que durante três décadas os governos municipais planejam a transformação da área em "pólo de entretenimento". Não é verdade. Devemos lembrar que na gestão municipal de 1989- 92, a Superintendência de Habitação Popular colocou a questão da Vila Itororó em pauta de discussão. Outro erro, diz respeito às propostas da CDHU, que na verdade, não atendem às demandas das famílias, além de que os valores oferecidos inviabilizam a compra de qualquer imóvel na região, e que apresente condições mínimas de moradia.

Diante dessa situação, questiona-se quais serão os ganhos reais para a cidade com a implantação de um grande equipamento de cultura, lazer e turismo em uma das regiões que se constituiu ao longo do tempo, como uma das mais culturais da cidade? E, já que "dinheiro não faltou ao projeto", a pergunta que não quer calar é: por que não destinar este recurso a uma recuperação urbana na qual o patrimônio humano é reconhecido, aceito e inserido na cidade, por meio da oferta de moradias dignas e com direito às infra-estruturas consolidadas da cidade (transporte, saúde, educação, emprego)?

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Aline Fidalgo Yamamoto, urbanista
AMAVila – Associação de Moradores de Amigos da Vila Itororó
amavilaitororo@yahoo.com.br